Barbosa e Di Pietro: um curioso paralelo Brasil – Itália

A saída do ministro Joaquim Barbosa remete à saída do juiz Antonio Di Pietro do tribunal de Milão, quando atuou na Operação Mãos Limpas, no final de 1994. Curiosamente, a Itália e o Brasil seguem um padrão com muitas coincidências, com uma separação de 20 anos.

1. A relativa estabilidade e a esquerda fora do poder

Ambos os países tiveram uma falta de alternância política, de certa forma alimentada por um medo do comunismo. A Itália possuía um partido comunista forte e estava no fronteira do mundo comunista: a Iugoslávia ficava ao lado. Isso acabou gerando uma estabilidade política, com a Democracia Cristã sempre de alguma forma no poder.

No Brasil o PT foi a primeira força mais a esquerda a chegar ao poder, depois de muito tempo. PSDB de centro-esquerda é considerado por muitos como um partido de centro-direita.

2. A esquerda chega ao poder em um momento de prosperidade

Bettino Craxi, do Partido Socialista, chega ao poder em 1983. O PT chega ao poder com Lula em 2002 (20 anos!). A Itália está em um momento de prosperidade. Em 1986 fala-se em “il sorpasso”, quando o país supera o Reino Unido em PIB.

Em 2007 o Brasil está em franco crescimento por conta do boom das commodities. Ambos os países tem uma renovação parcial – de fato, boa parte dos políticos tradicionais continua no poder, Democracia Cristã na Itália, PMDB no Brasil. Precisa-se deles.

3. Escândalos frustam a opinião pública

Em 1992 estoura o escândalo do Banco Ambrosiano. O caldo engrossa na chamada Operação Mão Limpas: 2.993 mandatos de prisão, mais de 6.000 pessoas em investigação, empresários, políticos; acontecem alguns suicídios. Duas cenas marcam essa época: uma pessoa foi presa enquanto tentava se desfazer das provas, entupindo o banheiro com dinheiro, e Bettino Craxi sendo esperado pela população, que atirou moedas sobre ele, enquanto gritavam “quer essas também?”. Pessoas usavam o termo “socialista” como sinônimo de “ladrão”, em piadas no dia a dia. Craxi morreu no exílio afirmando que foi escolhido injustamente como a laranja podre. Algumas teorias conspiratórias giram em torno do nome dele.

No Brasil, o Julgamento do Mensalão faz o papel de Operação Mãos Limpas. Envolveu menos gente, mas nomes de peso. Há semelhanças pela máquina criada, com engrenagens espalhadas em vários níveis. E pela indignação que criou.

4. Emergem os heróis

Nesses momentos a opinião pública elege como heróis aqueles que podem dar esperança. O fenômeno Di Pietro foi impressionante. Em 1993 os cursos de Direito estavam lotados, alguns davam aula em cinemas, pois a universidade não comportava tanta gente. Os jovens faziam Direito porque queriam mudar o mundo e a Itália.

No Brasil, em 2013, Joaquim Barbosa emerge como o herói nacional. Pares criticam seus excessos, mas a população não liga para isso.

Curiosamente ambos tiveram uma carreira diferente, que iniciou, de certa forma, externa ao meio jurídico, no qual entraram mais tarde. Di Pietro foi comissário de polícia.

5. Heróis penduram a toga

Em dezembro de 1994 Di Pietro anuncia a sua saída. Pouco depois as TVs mostram o seu último dia e a despedida. Em junho de 2014 a cena se repete no Brasil.

Será que os 20 anos que se seguram na Itália podem se repetir aqui? Provavelmente não, há várias diferenças que não citei aqui. De qualquer forma, vale lembrar como seguiu a Itália.

Vinte anos depois

Berlusconi já emergia como alternativa política, e já tinha problemas com a justiça. Afirma, até hoje, que a Procuradoria de Milão o persegue. Polarizou o país entre os que o odeiam e os que o admiram. Manteve-se, com idas e vindas, próximo ao poder. Na boca do povo há dezenas de histórias de favorecimento, de corrupção. Resistiu a todos os processos. Caiu apenas com a acusação de ter se envolvido com uma menor.

A Itália, como outros países europeus banhados pelo mediterrâneo, criaram um estado social muito forte. E muito caro. Nenhum político quer o ônus de fazer cortes. O Euro permitiu que esses países se endividassem muito e a taxas de juros alemães. Na crise de 2008, os credores ficaram com medo de emprestar mais, as taxas de juros subiram e o país quase quebra.

O Estado participa bastante da economia. O sistema trabalhista é tão complexo que 95% das empresas italianas têm menos que 10 funcionários. A taxa de desemprego entre os jovens é bastante alta, apesar da boa qualificação de todos. Em 2013 mais de 100.000 jovens emigraram. A Itália educou e criou 100.000 jovens e eles foram gerar riqueza em outro país.

Se há alguma lição para nós, é a de tomar cuidado com os custos do país em tempos de vacas gordas, pois quando vier o tempo de vacas magras, será mais difícil. Uma pessoa pode quebrar em meses, uma empresa em anos, um país precisa de muito mais tempo.

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