Big Data, GIS e Grilagem de Terra

Novas tecnologias permitem tornar a grilagem de terras algo muito difícil.

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As pessoas guardam com cuidado seu patrimônio. Provavelmente você acompanha sua conta bancária, seus investimentos e imóveis. Uma empresa faz o mesmo, controla seus bens, inclusive criando etiquetas de tombamento. Uma nação deve fazer o mesmo, e pode fazer melhor, principalmente com o território.

Não tenho os detalhes de como executam grilagem de terra. Imagino que seja mais do que cercar e reclamar a área, que títulos de propriedade tenham que ser forjados. O que não entendo é por que as informações sobre o território nacional ainda estão apenas em rudimentares cartórios, em papel, e espalhados pelo território nacional ? Temos tecnologia para centralizar tudo.

Big Data é um termo em voga. Ela reflete não só a capacidade de armazenar quantidades impensáveis de informação, como processar quantidades impensáveis de informação. Armazenar informações sobre cada centímetro quadrado do território brasileiro não é mais impensável.

Minha proposta é um Sistema de Informações Geográficas (GIS) centralizado, único e nacional. Imagine navegar em uma espécie de Google Maps, ampliando qualquer área do território nacional e clicando em qualquer metro quadrado. Nesse momento, o sistema identificaria os proprietários e uma réplica do título de propriedade estaria a um clique de distância. Toda a área a que esse título se refere seria marcada. As informações sobre os proprietários estaria a um clique. Escolhendo um dos proprietários o sistema marcaria todas as áreas que ele possui, e o percentual de cada uma que aquele proprietário detém. Dados de quem efetuou os registros, quando foram feitas, de onde, com as respectivas assinaturas digitais também estariam lá. Todas as consultas também seriam registradas – quem tem acesso precisa saber que está sendo monitorado.

Todo o registro de propriedade poderia continuar a ser feito como é hoje, se assim se desejar, mas o registro de terrenos e propriedades rurais só teria validade se uma cópia do certificado emitido por esse sistema estivesse anexa. Ela seria mais importante documento para provar a posse. Um “QR code” (espécie de código de barras) poderia ser lido por qualquer celular para, acessando o repositório central, reconhecer a validade desse documento – uma união entre o real e o virtual. Qualquer documento poderia ser verificado em segundos.

Resta um problema de segurança. Como evitar a grilagem por quem tem acesso ao sistema, se decidisse agir de má-fé ? Há várias formas de coibir isso. Primeiro, os registros de todos os acessos. Segundo, os antigos proprietários seriam avisados por e-mail sobre a mudança. Se o terreno fosse da União, haveria um setor independete para checar cada alteração. Depois, todo o passado ficaria registrado, então poderia se voltar atrás se a transação se mostrasse inválida – quem perdeu a propriedade teria formas de mostrar que valeria a posse.

Um sistema desse tipo seria enorme, mas há tecnologia para criá-lo. Diversos anos seriam necessários para regularizar tudo, mas é factível. O que não é admissível é que a nação desconheça informações sobre seu território.

O Mercado dos Intangíveis

O mercado dos intangíveis cresce sem ser notado e já toma parcela considerável do orçamento das famílias. E isso é bom.

Intangíveis são produtos e serviços que podem ser enviados pela internet. De forma mais rigorosa, chamo de software em sentido amplo todos os produtos que são puramente virtuais, formados de bits. Contrapõem-se aos produtos com presença física, que chamo de hardware em sentido amplo.

O mercado de software (nesse sentido amplo) representa a compra e venda de:

1. produtos imateriais, como música, filmes, ebooks (ou simplesmente livros), relatórios e estudos, projetos e qualquer outra coisa que pode ser enviada por e-mail (e, claro, software no sentido tradicional);

2. serviços sobre bens imateriais, como o design de uma marca ou objeto, um projeto arquitetônico, um plano de marketing, um relatório de consultoria, um plano estratégico, um plano de ação, ou qualquer coisa que crie ou transforme informação.

Vantagens

Dentro dessa ótica, a quantidade de pessoas que trabalha majoritariamente com software (em sentido amplo) é muito grande. E isso é bom por vários motivos.

1. Habilita o teletrabalho – permite que a pessoa trabalhe remotamente, pelo menos alguns dias, o que dá mais flexibilidade, reduz os custos com espaço físico para a empresa, pressiona menos a infraestrutura de transporte da cidade, o que a deixa mais limpa, e, aumenta a produtividade, no mínimo poupando o tempo de deslocamento;

2. Liberta das limitações geográficas – não é preciso produzir para consumo na sua cidade ou país. Se você é designer, por exemplo, pode vender seus serviços para outros países. O mesmo vale se você possui uma loja virtual e explora alguma cauda-longa;

3. Redistribui as chances – as cidades se formaram porque há vantagem da proximidade das pessoas, e cresceram muito por conta da revolução industrial. Grandes cidades dão mais chances, realimentando o processo. Quando o objeto no qual se trabalha se desmaterializa, a pessoa está livre para morar em qualquer cidade, ou, no sentido oposto, cidades fora do centro aumentam sua competitividade relativa;

4. Poupa recursos naturais – a produção de bens materiais consome recursos naturais. Por quanto tempo aguentaríamos se todos fossem ligados à produção desses bens e os consumissem no ritmo atual das economias desenvolvidas? Felizmente a própria evolução tecnológica está apontando para uma solução.

Tendência

O mercado do software (em sentido amplo) vem representando uma fatia cada vez maior do ‘bolo’ econômico, do PIB. Essa tendência deve continuar. Cada vez mais pessoas trabalharão na fatia vermelha do gráfico abaixo, cada vez mais produtos e serviços estarão ligados a esse setor.

Mercado dos Intangíveis

Produtos e serviços de ‘sofware’ representarão maior fatia da economia.

Isso se reflete no orçamento familiar. Antes do Plano Real, vinte anos atrás, por exemplo, a despesa familiar com serviços de telecomunicações – que nada mais é que o serviço de transporte de bits – era constituída basicamente de um produto: a linha telefônica fixa. Então surgiram as TVs fechadas, os celulares, a Internet, a necessidade de um celular por membro da família, e, mais recentemente, a necessidade de várias contas de internet para os membros da família – a do Notebook, a do Tablet, a do SmartPhone.

Também consumimos livros e revistas sem o suporte de papel, o que desloca essas despesas do lado do hardware para o lado do software (e desloca também, ao menos em parte, os trabalhadores das indústrias que produzem esses bens).

Esse movimento não significa que tudo vai mudar, que tudo será virtual. Significa apenas que a importância relativa dos setores mudará. Algo semelhante vem acontecendo com a agricultura.

Antigamente a maioria da população tinha que produzir o que comia. Esse número veio diminuindo e, com as modernas técnicas agrícolas, uma pequena fração das pessoas produz alimento para todas. Em alguns países, 2% da população produz para todos.

A indústria tradicional deve seguir caminho semelhante, tanto pela automação da produção, quanto pelo fenômeno chinês, que tem levado a indústria do mundo todo para lá.

Empregos

Muito se têm debatido sobre a destruição ou criação de empregos pela automação. O consenso parece ser que a tecnologia acaba com alguns empregos e cria outros. O problema seria que as competências necessárias para os empregos criados são diferentes das necessárias para os empregos destruídos.

Isso está de acordo o exposto. Se há máquinas capazes de fazer tantos produtos que saciariam a todos, novos produtos devem surgir. A capacidade inesgotável de produção de bens matérias não é mais limitada pela capacidade produtiva, mas pelos recursos naturais necessários e pelo espaço para guardá-los em casa.

Produtos e serviços baseados em software (em sentido amplo, ou seja, puramente informacionais) não ocupam espaço e abrem novas oportunidades de trabalho. A economia e a sociedade moderna vão ficando mais complexos, com mais produtos e serviços a serem produzidos e consumidos. Mais pessoas estarão envolvidas com ele, mesmo sem perceber.

Barbosa e Di Pietro: um curioso paralelo Brasil – Itália

A saída do ministro Joaquim Barbosa remete à saída do juiz Antonio Di Pietro do tribunal de Milão, quando atuou na Operação Mãos Limpas, no final de 1994. Curiosamente, a Itália e o Brasil seguem um padrão com muitas coincidências, com uma separação de 20 anos.

1. A relativa estabilidade e a esquerda fora do poder

Ambos os países tiveram uma falta de alternância política, de certa forma alimentada por um medo do comunismo. A Itália possuía um partido comunista forte e estava no fronteira do mundo comunista: a Iugoslávia ficava ao lado. Isso acabou gerando uma estabilidade política, com a Democracia Cristã sempre de alguma forma no poder.

No Brasil o PT foi a primeira força mais a esquerda a chegar ao poder, depois de muito tempo. PSDB de centro-esquerda é considerado por muitos como um partido de centro-direita.

2. A esquerda chega ao poder em um momento de prosperidade

Bettino Craxi, do Partido Socialista, chega ao poder em 1983. O PT chega ao poder com Lula em 2002 (20 anos!). A Itália está em um momento de prosperidade. Em 1986 fala-se em “il sorpasso”, quando o país supera o Reino Unido em PIB.

Em 2007 o Brasil está em franco crescimento por conta do boom das commodities. Ambos os países tem uma renovação parcial – de fato, boa parte dos políticos tradicionais continua no poder, Democracia Cristã na Itália, PMDB no Brasil. Precisa-se deles.

3. Escândalos frustam a opinião pública

Em 1992 estoura o escândalo do Banco Ambrosiano. O caldo engrossa na chamada Operação Mão Limpas: 2.993 mandatos de prisão, mais de 6.000 pessoas em investigação, empresários, políticos; acontecem alguns suicídios. Duas cenas marcam essa época: uma pessoa foi presa enquanto tentava se desfazer das provas, entupindo o banheiro com dinheiro, e Bettino Craxi sendo esperado pela população, que atirou moedas sobre ele, enquanto gritavam “quer essas também?”. Pessoas usavam o termo “socialista” como sinônimo de “ladrão”, em piadas no dia a dia. Craxi morreu no exílio afirmando que foi escolhido injustamente como a laranja podre. Algumas teorias conspiratórias giram em torno do nome dele.

No Brasil, o Julgamento do Mensalão faz o papel de Operação Mãos Limpas. Envolveu menos gente, mas nomes de peso. Há semelhanças pela máquina criada, com engrenagens espalhadas em vários níveis. E pela indignação que criou.

4. Emergem os heróis

Nesses momentos a opinião pública elege como heróis aqueles que podem dar esperança. O fenômeno Di Pietro foi impressionante. Em 1993 os cursos de Direito estavam lotados, alguns davam aula em cinemas, pois a universidade não comportava tanta gente. Os jovens faziam Direito porque queriam mudar o mundo e a Itália.

No Brasil, em 2013, Joaquim Barbosa emerge como o herói nacional. Pares criticam seus excessos, mas a população não liga para isso.

Curiosamente ambos tiveram uma carreira diferente, que iniciou, de certa forma, externa ao meio jurídico, no qual entraram mais tarde. Di Pietro foi comissário de polícia.

5. Heróis penduram a toga

Em dezembro de 1994 Di Pietro anuncia a sua saída. Pouco depois as TVs mostram o seu último dia e a despedida. Em junho de 2014 a cena se repete no Brasil.

Será que os 20 anos que se seguram na Itália podem se repetir aqui? Provavelmente não, há várias diferenças que não citei aqui. De qualquer forma, vale lembrar como seguiu a Itália.

Vinte anos depois

Berlusconi já emergia como alternativa política, e já tinha problemas com a justiça. Afirma, até hoje, que a Procuradoria de Milão o persegue. Polarizou o país entre os que o odeiam e os que o admiram. Manteve-se, com idas e vindas, próximo ao poder. Na boca do povo há dezenas de histórias de favorecimento, de corrupção. Resistiu a todos os processos. Caiu apenas com a acusação de ter se envolvido com uma menor.

A Itália, como outros países europeus banhados pelo mediterrâneo, criaram um estado social muito forte. E muito caro. Nenhum político quer o ônus de fazer cortes. O Euro permitiu que esses países se endividassem muito e a taxas de juros alemães. Na crise de 2008, os credores ficaram com medo de emprestar mais, as taxas de juros subiram e o país quase quebra.

O Estado participa bastante da economia. O sistema trabalhista é tão complexo que 95% das empresas italianas têm menos que 10 funcionários. A taxa de desemprego entre os jovens é bastante alta, apesar da boa qualificação de todos. Em 2013 mais de 100.000 jovens emigraram. A Itália educou e criou 100.000 jovens e eles foram gerar riqueza em outro país.

Se há alguma lição para nós, é a de tomar cuidado com os custos do país em tempos de vacas gordas, pois quando vier o tempo de vacas magras, será mais difícil. Uma pessoa pode quebrar em meses, uma empresa em anos, um país precisa de muito mais tempo.